NOVO MODELO FINANCIAMENTO – ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE
A última reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) realizada em
novembro de 2019 aprovou a nova política de financiamento da Atenção Primária
em Saúde (APS). A partir de então, os gestores municipais passaram a se
debruçar com preocupação sobre as novas regras que entrarão em vigor em 2020,
dado o estrangulamento dos orçamentos municipais: hoje, em média, os municípios
paulistas já destinam 27% dos recursos próprios para ações e serviços de saúde
(quase o dobro previsto na Lei Federal nº 141/2012) segundo dados do Sistema de
Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) – com o agravante de 30% dos municípios
aplicarem 30% ou mais de seus recursos próprios em ações e serviços públicos de
saúde.
O novo modelo de financiamento federal na APS vai substituir as principais
formas de financiamento da Atenção Básica, por 4 dimensões de financiamento:
Capitação Ponderada; Desempenho; Programas (Incentivos); e, Provimento.
A nova estrutura de financiamento federal para a APS classifica os municípios
de acordo com a tipologia do IBGE (de espaços rurais e urbanos) e focaliza no
cadastramento de pessoas (registro baseado no CPF, único para cada pessoa) por
equipe de saúde. Os municípios são classificados de rurais remotos a urbanos, e
a tipologia municipal define o número de pessoas que cada equipe
vai atender, desde que estejam cadastradas. Além disso, são empregados
critérios de vulnerabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
No entanto, a mudança mais radical modelo é a extinção do Piso de Atenção
Básica (PAB) Fixo e a introdução de um per capita fixo de R$5,95 em 2020, na
chamada transição de modelo. Esta é uma grande preocupação dos gestores sobre o
novo modelo de financiamento, uma vez que o PAB fixo é uma das maiores
conquistas do processo de repasse direto de recursos federais para os
municípios, e contribuiu decididamente para universalização do acesso na
Atenção Básica. O novo modelo desconstrói a sistemática de financiamento
da Atenção Básica que vinha sendo pactuada de forma tripartite há 20 anos, até
hoje baseada no repasse per capita do PAB Fixo, e no incentivo das Equipes de
Saúde da Família.
Nesta linha, cabe destacar que a preocupação deste Conselho, não se resume à
perda de recursos para os municípios. Mas, se relaciona também e
fundamentalmente à missão de redução das desigualdades regionais expressas
no Orçamento da Seguridade Social (tal como SUS), que será prejudicada tendo
em vista que o novo modelo se propõe basicamente a remunerar com base em
cadastro de pessoas, medidas diametralmente opostas ao que determina os
critérios de rateio estabelecidos pelas leis orgânicas do SUS ratificadas pela
Lei Federal nº 141/2012. Neste sentido, a responsabilidade constitucional do
SUS sobre a segurança sanitária e prevenção de riscos fica prejudicada, dado
que o cuidado se restringirá ao público “cadastrado”, comprometendo as ações
coletivas de promoção da Saúde.
Ademais, o PAB fixo possibilita a implementação das ações da Atenção Básica
previstas nos Planos Municipais de Saúde, sem o engessamento comum nos repasses
federais.
Para o Estado de São Paulo, tanto a tipologia do IBGE citada, como o parâmetro
alicerçado no cadastramento de pessoas, reduzem as possibilidades de
financiamento para a APS. Isto porque, São Paulo tem a maior população do país
– aproximadamente 45milhões de pessoas – e o repasse per capita favorece
estados e municípios mais populosos. Além disso, 54% dos municípios paulistas
estão na classificação Urbano (a menos favorecida do ponto de vista do volume
de recurso por pessoa cadastrada), sendo a outra metade dos municípios nas
classificações Intermediário Adjacente e Rural Adjacente, que são
classificações com peso intermediário para financiamento federal por cadastro.
Ademais, os critérios de vulnerabilidade atingem em média 33% das populações
dos municípios paulistas.
O financiamento proposto pelo Ministério da Saúde considera 2020 como período
de transição; e a partir de 2021, passa ser definitivo. A partir de 2021, se
não houver alteração na quantidade de pessoas e equipes cadastradas na APS, os
municípios do Estado de São Paulo poderão perder aproximadamente 732 milhões de
reais na substituição da somatória do repasse do PAB FIXO, ESF, NASF e Gerentes
pela “Capitação Ponderada”. Este volume representa aproximadamente 47% dos
recursos federais projetados para repasse aos municípios paulistas em 2019 para
APS. Isto porque, hoje, a variável determinante é que somente 36% da população
do Estado possui cadastro nas UBS.
As simulações do Ministério da Saúde e CONASEMS tecem a mesma comparação,
considerando o cadastramento na meta máxima por tipologia municipal para cada
equipe, e mesmo assim, neste cenário ideal, a perda para o conjunto dos
municípios paulistas na Dimensão da Capitação Ponderada seria de
aproximadamente 423 milhões (mais de 25% das projeções de recebimento para
2019) atingindo 391 municípios (ou 61% do conjunto de municípios) na
substituição da somatória do repasse do PAB FIXO, ESF, NASF e Gerentes pela
“Capitação Ponderada”.
As perdas na dimensão de Capitação Ponderada serão atenuadas no período de
transição (exercício de 2020) pelo repasse de valor fixo de R$5,95/habitante ao
ano, como citado. No entanto, o saldo ainda seria negativo, no valor de
aproximadamente 115milhões de reais, ou seja, quase 10% do projetado para 2019
nas linhas transferências federais para APS que serão substituídas por esta
dimensão.
Na substituição do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica (PMAQ), valores projetados para 2019, segundo os dados da
simulação do Ministério e CONASEMS, 267 municípios paulistas (41% do total)
perderão aproximadamente 27,5 milhões de reais em 2020, o que evidencia
perspectivas ruins também para a dimensão do Desempenho.
A Dimensão dos Programas (Incentivos) reúne os maiores incrementos para os
municípios paulistas em comparação aos valores projetados para 2019. Isto
porque, nesta dimensão, estão projetados os maiores adicionais relacionados
principalmente à instituição do Programa Saúde na Hora (hoje com
aproximadamente 25 municípios com pleito de credenciamento) e custeio para o
processo de informatização. No entanto, as simulações consideram adesões já
homologadas na competência de agosto de 2019, o que não significa garantia de
recebimento. Isto porque, por exemplo, para o Programa Saúde na Hora o
recebimento não está apenas condicionado à solicitação ou homologação, mas à
implementação de uma série de requisitos no prazo de 4 meses, como por exemplo,
o uso do Prontuário Eletrônico (vide Portaria GM nº 930/2019). Cabe destacar
ainda que aumentos nesta dimensão, dado serem políticas de adesão relacionadas
à ampliação de oferta, exigem capacidade de investimento e contratualização
municipal, raro contexto, uma vez que os municípios em média já arcam com
aproximadamente 60 a 70% dos custos de seus sistemas municipais.
Na Dimensão do Provimento (ACS) as simulações inferem apenas o aumento do piso
salarial da categoria garantido pela Lei 12.994/14 e Medida Provisória
correlata que amplia o salário de R$1.250,00/mês para R$1.440,00 dos agentes.
Neste sentido, não há nas simulações do Ministério da Saúde e CONASEMS projeção
de aumento do credenciamento de Agentes Comunitários de Saúde. Portanto, o
incremento de recurso previsto nesta dimensão não representa recurso adicional
aos gestores municipais, que já arcam com os encargos sociais da contratação
dos agentes.
Os valores totais constantes nas simulações do Ministério da Saúde e CONASEMS
demonstram que, apesar de todas as medidas atenuantes do período de transição,
na somatória de todas as dimensões previstas, 211 municípios paulistas perdem
em comparação ao projetado para o exercício de 2019 (aproximadamente 120
milhões de reais). Já os incrementos projetados na somatória das dimensões são
de 209 milhões para 434 municípios. Porém, é importante salientar que
aproximadamente 25% destes incrementos não são ganhos reais, pois se referem à
atualização salarial dos ACS e o restante refere-se ao credenciamento nos novos
programas que atingem uma pequena parcela dos municípios.
Sendo assim, o prognóstico para o exercício 2021, ao término do período de
transição é de perdas significativas no repasse federal para APS, podendo
comprometer as programações orçamentárias municipais a partir do exercício de
2020, num momento complexo do cenário político de eleições municipais.
Desta maneira, este Conselho exprime sua grande preocupação com a nova política
de financiamento da Atenção Primária em Saúde (APS), tendo em vista a
possibilidade de redução de recursos para APS municipal paulista e a possível
mudança de modelo de atenção que vem sendo implementada, com esforço
majoritariamente municipal há aproximadamente 2 décadas. Isto porque, a disputa
entre a garantia dos princípios da universalidade, equidade e integralidade e o
objetivo das políticas econômicas que conformaram o estado brasileiro, na busca
pela contenção de gasto, que marcaram a história de financiamento SUS, hoje se
agravaram com a vigência da EC-95/2016 e a promessa de desvinculação das
receitas para a Saúde Pública, o que ameaça a sustentabilidade do SUS.
A missão do COSEMS/SP é atuar na defesa do SUS e dos municípios
paulistas, e por isso é imprescindível a congregação de forças pela revogação
da EC nº 95/2016, garantia da vinculação das receitas para o SUS, e
financiamento tripartite que garanta a sustentabilidade do sistema, e a
efetivação dos princípios do SUS: universalidade, equidade e integralidade, o
que exige uma Atenção Básica forte, com recursos suficientes para ser a
ordenadora da rede de atenção à saúde no território.